Matemática agrava abismo entre escolas públicas e privadas no Enem (Folha de São Paulo)

Rede estadual têm desempenho pior em todas as áreas; em exatas, distância é maior

​A matemática é a disciplina que mais agrava o abismo entre as escolas estaduais e privadas no país. Os resultados do Enem (Exame Nacional do Ensino Médio) de 2017 mostram desempenho inferior das redes estaduais em todas as áreas avaliadas na prova, mas em matemática essa distância é de até 67%.

A média das escolas privadas no Enem, de 591,25, é mais de 90 pontos acima da rede estadual. As escolas ligadas às secretarias estaduais de Educação abrigam oito de cada dez alunos do ensino médio.

Na outra ponta, está a área de linguagens, com uma distância de 53,9 pontos. A prova objetiva do Enem, no formato de múltipla escolha, avalia ainda ciências da natureza e ciências humanas --com 64,6 e 67,4 pontos de distância, respectivamente.




A Folha calculou as médias por escola a partir de dados brutos e oficiais do Enem 2017. Só tiveram notas unidades com ao menos metade dos alunos do 3º ano no Enem (respeitado, ainda, um mínimo de dez estudantes). O método é igual ao adotado em anos anteriores pelo MEC (Ministério da Educação).


É em matemática também que as redes estaduais têm o maior número de escolas abaixo da média geral do Enem. Das 7.401 escolas estaduais com dados calculados, 80% têm nota de matemática inferior a 518,5 (a média que considera a nota de todos os participantes na prova). Nas outras áreas, esse percentual varia de 69% a 72%.


A redação tem o menor percentual de escolas públicas abaixo da média geral (67%). A distância em pontuação é de mais de cem pontos, mas a comparação com a parte objetiva não é adequada porque os textos são corrigidos por uma equipe de corretores.

A nota da parte objetiva é atribuída a partir de um modelo matemático que dá pesos diferentes a cada item, o que resulta em uma escala que, diferente da redação, não vai a mil pontos.

Também há escolas privadas abaixo da média em todas as áreas. Mas o volume é menor. Varia entre 6%, em ciências da natureza, e 9%, em matemática, considerando 6.228 escolas particulares do país.


O desempenho em matemática é considerado uma referência por ser um conhecimento basicamente escolar.





"Matemática não se aprende lendo, aprende-se matemática fazendo", diz o matemático Ruben Klein, especialista em educação e consultor da Fundação Cesgranrio. "Ela exige aprendizado, um saber escolar, diferente de outras áreas em que é possível ter outras fontes de conhecimento".


Klein afirma que os resultados decepcionantes na disciplina têm raiz na baixa qualidade da formação dos professores. "Muito professor dá um nó na cabeça do aluno", diz. "O aluno faz a coisa certa mas o professor diz que é errado porque ele só sabe fazer daquele jeito."


Mas a imagem negativa da matemática na sociedade também colabora. "Existe uma ideia de que matemática é para alguns. Como eu também era ruim, não tem problema o aluno ir mal, é aceito".


Problemas estruturais como a falta de professores nas escolas estaduais colaboram com as dificuldades. Um terço daqueles que lecionam a matéria não tem formação na área, segundo dados do Censo Escolar de 2015.


Cecilia Motta, presidente do Consed (conselho dos secretários estaduais de Educação), diz que essa situação é reflexo da falta de atratividade para a carreira, devido aos baixos salários e a planos de carreira deficientes. Mas, a exemplo de Ruben Klein, ela também aponta problemas na formação.


"É uma somatória. Precisamos cuidar da carreira, melhorar a formação inicial, e isso as universidades precisam fazer", diz. "Para quem já está na sala de aula, precisamos de um trabalho de formação continuada".


A Prova Brasil, avaliação federal que compõe o Ideb (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica), também expõe uma maior dificuldade da rede estadual em matemática —com uma distância entre as duas redes de 20%.

Os dados do Enem são indicativos factuais de uma redução de oportunidades para os alunos. O exame é porta de entrada para praticamente todas as universidades federais e para algumas estaduais, como a USP (Universidade de São Paulo). Tanto as federais quanto a USP têm programas de reserva de vagas para alunos de escolas públicas.

O Enem também é critério para bolsas do ProUni (Programa Universidade para Todos) e para o Fies (Financiamento Estudantil).
As redes estaduais têm tido dificuldades, inclusive, de fazer com que seus alunos participem do Enem. Menos de 40% das escolas estaduais tiveram mais da metade dos alunos no Enem 2017.
O abismo na matemática entre escolas privadas e estaduais varia em cada estado. Em oito estados, a diferença é maior de 90 pontos, a média para o Brasil.


Essa diferença entre escolas estaduais e privadas esconde diferenças do perfil socioeconômico dos alunos. Escolas com alunos de nível mais elevado têm mais facilidade para alcançar maiores resultados.


Do total de escolas acima da média em matemática, públicas ou privadas, 80% têm alunos entre os níveis socioeconômicos mais altos.


Somente 12 escolas estaduais com nível socioeconômico baixo têm nota de matemática acima da média. A escola Augustinho Brandão, de Cocal do Alves, interior do Piauí, é a campeã do grupo.


A média de 602,69 em matemática deixa para trás 3.838 escolas privadas do país.
"Tudo começa pela motivação que a escola dá para o aluno. Verificamos que matemática é a disciplina que menos alunos ficam de recuperação [bimestral], e a que os alunos se recuperam mais rápido", diz a diretora Aurilene Brito, 35.
Cerca de 80% dos alunos do 3º ano em 2017 foram aprovados em instituições públicas.


Ensino por área pode dar mais sentido a conteúdo para alunos


A mudança na organização do conteúdo de estudo pode facilitar a vida dos alunos, sobretudo em áreas como a matemática. Para a presidente do Consed, Cecilia Motta, passar a atuar por áreas de conhecimento, e não mais por disciplinas, pode fazer com que os assuntos tenham mais sentido na vida do estudante.

A reforma do ensino médio, aprovada ano passado pelo governo Michel Temer (MDB), vai nessa linha: prevê que 40% da carga horária da etapa sejam escolhidas pelos alunos a partir da oferta de cinco áreas: linguagens, matemática, ciências da natureza, ciências humanas (a mesma divisão do Enem), além de educação profissional.
A oferta dessas linhas de aprofundamento é também um dos maiores desafios para que a reforma saia do papel. Mais de metade dos municípios do país só tem uma escola de ensino médio, dificultando a oferta de opções.

Na última terça-feira (3), Cesar Callegari, membro do CNE (Conselho Nacional de Educação), defendeu em artigo na Folha a revogação da reforma por ser "excludente e reducionista", além de poder acentuar as desigualdades educacionais do país. Callegari renunciou na semana passada à presidência da comissão que analisa a Base no CNE.
A reforma ainda depende da aprovação da Base Nacional Comum Curricular do Ensino Médio, em discussão no CNE. O governo insiste em finalizar o texto neste ano, enquanto alguns educadores pedem mais tempo.


Paulo Saldaña , Fábio Takahashi e Estêvão Gamba

Original:
Folha de São Paulo

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