Livro desmistifica o perfil do novo empreendedor brasileiro
Em "O Empreendedor Viável – Uma Mentoria para Empresas na Era da Cultura Startup", Carlos Matos e André Telles mostram novo ângulo sobre o empreendedorismo e dão dicas sobre como sobreviver na 'selva' das startups
As startups já passaram por dias melhores no Brasil (sobretudo financeiramente) quando fundos de capital de risco (venture capital) aportaram pela primeira vez no país, em meados de 2010, com os bolsos cheios de dólares. A euforia diminuiu, mas plantou-se no Brasil uma semente importante: a ânsia por inovação e empreendedorismo. Nunca se falou tanto sobre esses dois temas como agora. As startups de sucesso estão ganhando o mercado internacional e firmando suas marcas. E o empreendedor brasileiro está, finalmente, aprendendo a se lançar nos negócios sem medo. É o que defendem André Telles e Carlos Matos no livro O Empreendedor Viável – Uma Mentoria para Empresas na Era da Cultura Startup, que a editora Leya lança na próxima semana. Nele, os autores – ambos empresários – direcionam um novo olhar sobre o papel dos empresários brasileiros que conseguem montar seus negócios em meio à burocracia, altos tributos e crédito caro. Segundo eles, o empreendedor que começa a trabalhar em ambientes mais desafiadores tende a contar com mais jogo de cintura para fazer o negócio dar certo. "O empreendedor viável é aquela pessoa que tem persistência, ou seja, sabe que o empreendedorismo e a inovação envolvem a lógica da tentativa e erro e, por isso, não desistem. Ele também sabe receber feedbacks, inclusive negativos, e foca na monetização e no resultado", afirma André Telles. Confira trechos da entrevista:
O que é um empreendedor viável?
André – É aquela pessoa que tem persistência, ou seja, sabe que o empreendedorismo e a inovação envolvem a lógica da tentativa e erro e, por isso, não desistem. Ele também sabe receber feedbacks, inclusive negativos e foca na monetização e resultado.
Carlos – Ele também é flexível. Neste caso, não é ser indeciso, é saber identificar oportunidades e não ter medo de arriscar, de mudar.
Ele precisa, necessariamente, ter uma empresa própria?
André – Não, ele pode estar dentro de uma instituição como colaborador. O Google, por exemplo, permite que seus funcionários dediquem 20% de seu tempo para o desenvolvimento de ideias inovadoras. Eles têm autonomia para criar.
Carlos – Ou mesmo incorporar sua ideia a uma empresa já existente antes mesmo de abrir um negócio próprio. Por isso não podemos medir o sucesso do empreendedorismo só pelo número de empresas que fecham as portas em até um ano de vida.
Qual é melhor exemplo de empreendedor viável no Brasil?
Carlos – O Tales Gomes, 25 anos, fundador da Easy Taxi, é um exemplo que citamos no livro. Apesar de ter tido experiências com outros negócios que não deram certo, nem por isso ele desistiu de empreender. Ele soube identificar um problema (dificuldade de encontrar táxi nas grandes cidades e o descontentamento dos taxistas com as centrais) e pensou numa maneira de resolvê-lo (com um aplicativo que conecta taxistas independentes em tempo real com as pessoas que estão precisando do serviço). Ele testou o produto no mercado e deu certo. A diferença do Tales para outros empreendedores é que ele assume a responsabilidade não apenas de conversar com investidores, mas também de lidar com os clientes, os taxistas, conceder entrevistas à imprensa. Seu nome se sobressai. A empresa é ele. Isso acontece com o empreendedor viável: às vezes, a marca dele e da empresa se confundem, como no caso do Mark (Zuckerberg, do Facebook). É importante destacar que ele não é centralizador, que só quer controlar tudo. Ele tem noções das áreas, não é excelente em tudo, mas sabe o suficiente para ajudar em todas as etapas do processo.
O que muda perfil de empreendedorismo do Brasil para os outros países?
André – Acredito que o brasileiro já é persistente por cultura, mas, diferentemente do europeu ou americano, ele não encontra aqui um incentivo para aceitar suas falhas. Nos países mais desenvolvidos, os empreendedores não são taxados ou discriminados por não terem sido bem sucedidos em um negócio. Além disso, aqui, eles não recebem o apoio necessário para se desenvolver, como do governo e das universidades. Sem falar da dificuldade para abrir e fechar uma empresa no Brasil e dos altos encargos trabalhistas.
Carlos – Falta também aos brasileiros uma formação mais adequada. Não temos o mesmo número de empreendedores com pós-graduação, mestrado ou doutorado e as formações por aqui são muito longas. Mesmo para uma pessoa que queira aprimorar-se, mudar de área, no Brasil o processo é muito difícil e lento.
Como lidar com esses obstáculos?
Carlos – Já que a realidade é essa, é preciso enfrentá-la. Neste ponto, a dica é procurar consultorias como a do Sebrae, que se reformou nos últimos anos para apoiar cada vez mais o empreendedorismo. Eles não deixaram de atender ou dar amparo ao empreendedor individual, regional e pequeno, mas também criaram uma frente de trabalho para atender o empreendedor digital, por exemplo. A própria Endeavour está mudando e trabalhando no sentido de diminuir a distância entre empresário da economia tradicional (siderurgia e mineração, por exemplo) e do empreendedor moderno. Eles têm participado, inclusive, de diversos eventos universitários, divulgando a cultura startup.
O que é cultura startup?
Carlos – É essencialmente uma cultura do autoaprendizado, tanto pelo erro, quanto pelo acerto. É definida também pelo acúmulo de bagagem (experiências e aprendizados) que ajudam a criar novos empreendimentos. Tem também a velocidade como característica, além da renovação do ímpeto empreendedor a todo o momento, de acordo com as mudanças no mundo.
O país dá condições para essas pessoas desenvolverem suas ideias?
André – O Brasil está abraçando a nova onda de empreendedorismo. Nós importamos o modelo de negócio e a filosofia startup e de inovação dos EUA. Mas nosso ecossistema é muito diferente do americano. Em alguns berços da cultura startup, como no Vale do Silício, há uma interligação entre academia, governo, empreendedores e diversos investidores num grande parque desenvolvedor de softwares e economia criativa que fazem parte de um ciclo virtuoso que favorece o empreendedorismo. Isso tudo induz o crescimento acelerado. Não existem locais assim no Brasil. Não temos clusters empreendedores desta magnitude. Temos apenas alguns ascendentes como Curitiba, Campinas e Recife.
O que impede nossos parques de crescer?
André – É um movimento que tem de acontecer não só por parte do governo, mas também por iniciativa do cidadão. As pessoas não podem ficar esperando que o governo faça tudo por elas. Elas precisam unir as peças do sistema de uma forma proativa. Temos muito potencial em vários lugares do Brasil, vários eventos de empreendedorismo e tecnologia, existe a discussão , uma série de ideias são colocadas nesses momento. Mas o brasileiro tem de aprender a colocar em prática.
Qual é a melhor opção de financiamento para startups?
André – Temos aceleradoras e investidores anjo no país. Mas nem sempre este é o melhor caminho. Isso porque eles geralmente ficam com um porcentual do negócio que pode ser importante lá na frente. Às vezes mais vale tirar dinheiro do bolso ou pegar um empréstimo em um banco, como no Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). É claro que se o investidor anjo oferecer conhecimento, experiência, uma mentoria propriamente dita, além de dinheiro, também tem de ser levado em conta. Seria um sócio que está agregando mais do que dinheiro.
Como a educação pode ajudar no desenvolvimento do empreendedorismo no Brasil?
Carlos – Temos universidades de negócios e administração que já se profissionalizaram na área de empreendedorismo. Há também os cursos livres, específicos, espelhados no modelo americano e outros mirando particularidades do Brasil. A formação é uma saída para melhorar a cultura empreendedora.
Inserir o tema na grade curricular pode ser o caminho?
Carlos – É preciso ter cuidado nesse tema. Ele não pode ser inserido apenas para constar. É preciso atender as particularidades de cada cidade ou até mesmo de cada escola. Ao lançar mão de modelos prontos, corre-se o risco de não se ter um ensino completo em uma comunidade e ser redundante em outra.
Fonte:. VEJA
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