Ricos precisam reduzir consumo para evitar crise

Minério: Aumento de consumo causa
impacto nos recursos naturais
A saúde econômica, social e ambiental do planeta depende de uma diminuição urgente do nível de consumo dos mais ricos. A conclusão é de um levantamento divulgado nesta quinta-feira e realizado nos últimos dois anos pela Royal Society, principal academia científica britânica. A pesquisa concentra-se em um apanhado demográfico do planeta e no modo como seus recursos naturais são usados. Segundo os dados coletados pela organização, uma criança de uma nação rica, por exemplo, consome até 50 vezes mais água do que a de um país pobre.



Este não é o único bem aparentemente infinito que merece atenção. Energia, minerais e alimentos também têm uso demasiadamente concentrado nas nações desenvolvidas, contribuindo para que um número crescente de pessoas seja mantido abaixo da linha de pobreza. De todo o estoque de água do mundo, apenas 2,5% são potáveis. Desse contingente, 69% estão congelados nas regiões polares e 30%, misturados no solo ou presos em aquíferos, ainda inacessíveis para o homem. O resto — 140 mil quilômetros cúbicos — está distribuído em lagos, rios e reservatórios, entre outros locais. E é mal dividido: estima-se que, em 2025, 1,8 bilhão de pessoas viverão em áreas com severa escassez de água. A área sob estresse hídrico pode, nas décadas seguintes, abranger praticamente toda a China e os Estados Unidos, além de boa parte da Europa, entre outras regiões.

Parte da carência de água deve-se às mudanças climáticas, fenômeno regido por um grupo com cerca de 20 países, entre desenvolvidos e emergentes. A emissão de gases-estufa de cada um deles supera, em mais de 50 vezes, o de uma nação pobre. E é na exploração de carbono que reside a matriz energética de boa parte da comunidade internacional.

- Sempre se discute como a questão demográfica é crucial para o destino do planeta e de seus recursos, mas a Royal Society viu que tão importante quanto isso é o sobreconsumo - destaca Suzana Cavenaghi, única brasileira a participar do grupo de estudos e ex-presidente da Associação Latino-Americana de População. - Falta a consciência de que o planeta é finito, e que os países desenvolvidos têm sua parcela de responsabilidade e devem assumi-la consumindo menos.

O crescimento populacional é um problema inevitável nas próximas décadas. Apesar do declínio da fertilidade, o planeta ainda ganha 80 milhões de pessoas por ano, especialmente nas cidades e nos países em desenvolvimento. Sustentar esta multidão significou, por exemplo, quadruplicar a produção de cobre e chumbo entre 1960 e 2007. A exploração de tântalo e nióbio, minerais ligados a dispositivos tecnológicos, aumentou em 77 vezes. Para não desafiar os limites da Terra, é preciso controlar esta multiplicação.
- Conter o sobreconsumo só pode ser incentivado por políticas de educação - explica Suzana. - A população de países mais abastados, e mesmo da elite de outras nações, está antenada em seu gasto excessivo de água, papel e outros recursos. Mas ainda faltam iniciativas concretas, especialmente as conduzidas pelo Estado.

A recessão que acomete Europa e EUA, aliada à ascensão dos BRICs, têm provocado grandes mudanças na economia mundial. Mas fica o alerta: se estes países — que aliam o crescimento demográfico desordenado dos pobres ao sobreconsumo dos ricos — apostarem no mesmo padrão de desenvolvimento visto nos últimos séculos, a Terra não será suficiente para atender a demanda por águas, alimentos e outros recursos.

‘Quantos governantes querem ser responsabilizados por vandalizar o planeta?’

Prêmio Nobel de Medicina em 2002, o diretor do Instituto da Ciência, Ética e Inovação da Universidade de Manchester, John Sulston, é o chefe do grupo de estudos que elaborou o novo relatório da Royal Society. Sulston trocou o sequenciamento do genoma de animais, que lhe deu reconhecimento internacional, pela defesa do meio ambiente e de novos acordos internacionais nesta área. O pesquisador deu uma entrevista exclusiva ao GLOBO sobre seu novo trabalho.

O GLOBO: O PIB parece uma forma ultrapassada para medir o desenvolvimento global, mas, apesar disso, é modo mais objetivo de fazê-lo. Que outro sistema de avaliação poderia substituí-lo, e como ele poderia ser aplicado?

JOHN SULSTON: O PIB não só é uma medida falha como também é incompleta. Ele não reflete, por exemplo, a saúde, a satisfação com a vida ou a liberdade de escolha. Não leva em conta as perdas de capital natural e social e não mostra se o progresso é sustentável. As despesas em desastres e sucessos são tratadas como igualmente positivas e unidas na mesma conta. Essas deficiências podem ser corrigidas na definição de preços mais adequados. Acordos prévios seriam feitos para definir estes valores. Governos devem promover reformas dos sistemas de finanças nacionais, incluindo melhorias na contabilidade do capital natural.

O GLOBO: Vinte anos após a Rio 92, as mudanças climáticas ainda são consideradas um assunto importante para apenas um pequeno segmento da sociedade? Os tomadores de decisão dão o valor adequado a este assunto?

SULSTON: Muitos tomadores de decisão estão pensando em mudanças climáticas, mas são conseguem firmar acordos em negociações internacionais. Politicamente eles se veem, com frequência, presos em considerações de curto prazo do que seriam os “interesses de meu país”, e negligenciam as consequências dessa visão a longo prazo. Não há uma solução mágica à vista, mas existe uma necessidade real de explicar para os eleitores que correr apenas atrás de rápidos benefícios, aqueles medidos pelo PIB, acabam por provocar danos ao meio ambiente e, assim, diminuirá o bem estar de nossos descendentes.

O GLOBO: Como o consumo em excesso pode ser contido em um mundo onde este valor é crescentemente encorajado — especialmente considerando a China e a Índia, os países mais populosos, onde há cada vez mais pessoas incluídas na sociedade de mercado?

SULSTON: Nós precisamos lembrar que reduzir o consumo não significa diminuir a qualidade de vida. A tecnologia é particularmente importante, por trazer ganhos de eficiência, reduzir a poluição, acabar com o desperdício e incentivar a reciclagem e a reutilização. Em termos de saúde, há também benefícios reais trazidos pela redução do consumo, como a diminuição dos níveis de obesidade e a melhoria da qualidade do ar.

O GLOBO: Como a conservação ambiental e a biodiversidade podem ser anunciadas como algo interessante para os governantes?

SULSTON: Mesmo se alguém não considerar a biodiversidade um valor intrínseco — o que, aliás, deveria ser feito —, há razões financeiras muito boas para justificar a preservação do meio ambiente e salvaguardar os serviços desse setor. Os sistemas ambientais e de biodiversidade realizam uma série de papéis fundamentais, como a polinização ou a preservação da erosão do solo e da inundação, efeitos que impediriam o desenvolvimento da Humanidade. Estes sistemas também têm funções sobre as quais não estamos conscientes; podem, também, prover soluções para desafios futuros, como remédios para doenças emergentes. A administração do planeta é nossa responsabilidade. Quantos governantes querem ser responsabilizados por vandalizá-lo?

Fonte:. O GLOBO

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Discurso de Ruy Barbosa, no Senado Federal, em 1914

Copa Parelhas de Futsal Intermunicipal 2024: Celebrando o Espírito Esportivo e a União das Comunidades